Hб dez anos a guerra no Afeganistгo visa ao controle das reservas de petrуleo e de gбs natural. Se o consumo mundial de petrуleo continuar aumentando na escala atual, atй 2020 estarгo esgotados cerca de dois terзos das reservas de combustнveis fуsseis do planeta. O Afeganistгo й uma das naзхes mais pobres e atrasadas do mundo. Atй o inнcio da dйcada de 70, o paнs й governado por uma fraca monarquia. Quem manda sгo alguns proprietбrios de terras que nгo hesitam em usar a religiгo muзulmana para legitimar a exploraзгo dos pobres afegгos. Esta realidade provoca descontentamento geral, atй mesmo do exйrcito. Й contando com o apoio militar que, em 1973, o rei Mohamed Zahir Shah й derrubado por seu primo Mohamed Daud, que instaura um regime republicano. A reviravolta permite as atividades do Partido Democrбtico do Povo do Afeganistгo (PDPA), de inspiraзгo comunista, que tem como base os poucos intelectuais afegгos que residem nas cidades, os estudantes e alguns oficiais das forзas armadas. Os pontos principais do seu programa sгo: reforma agrбria, libertaзгo da mulher e alfabetizaзгo em massa. Cedendo аs pressхes dos conservadores, Daud assume posiзхes cada vez mais moderadas e, em 1978, tenta suprimir as atividades do PDPA numa йpoca em que a situaзгo econфmica e social do Afeganistгo piora a olhos vistos. Neste contexto, dois lнderes de esquerda sгo assassinados e manifestaзхes de protesto se espalham pelo paнs. A polнcia reage com repressгo e prisгo de vбrios representantes dos setores progressistas. Mas, longe de acabar com os tumultos, estes acontecimentos abrem caminhos para a revolta de um setor das forзas armadas. Nos enfrentamentos que se desenvolvem em abril de 1978, Daud e boa parte do seu gabinete sгo mortos. O PDPA assume o poder e proclama o Afeganistгo "repъblica democrбtica" sob o comando de Mohamed Taraki. No mesmo ano, Taraki realiza reforma agrбria radical. Cerca de 250 mil camponeses sгo beneficiados com ampla distribuiзгo de terras e sгo canceladas todas as dнvidas com os antigos proprietбrios. O novo regime liberta 8 mil prisioneiros polнticos e declara que a educaзгo й um direito universal tanto para os homens como para as mulheres. A reaзгo dos setores conservadores й violenta, levando Taraki a buscar apoio na antiga Uniгo Soviйtica. Esta escolha provoca duros embates no interior do PDPA e acaba fortalecendo a oposiзгo. Em setembro de 1979, Taraki й assassinado e substituнdo por Hafizullah Amin, homem forte do regime anterior. Incapaz de controlar a situaзгo do paнs, Amin й morto em dezembro do mesmo ano durante rebeliгo que leva ao poder Babrak Karmal, apoiado pelo exйrcito da Uniгo Soviйtica que, no final de dezembro de 1979, ocupa a capital e, em seguida, estende o seu controle ao resto do paнs. As mudanзas iniciadas com Taraki continuam e os resultados comeзam a aparecer. Se em 1977 sу 15% dos meninos e 2% das meninas tinham acesso а escola, durante o governo do PDPA esta porcentagem cresce atй atingir 63 % das crianзas em 1987. No mesmo perнodo, o investimento nos serviзos de saъde eleva a perspectiva de vida de 33 para 42 anos. As mulheres se libertam. Durante o governo comunista, o analfabetismo feminino cai de 98% para 75%; milhares de mulheres se integram а vida polнtica do paнs e abandonam progressivamente as restriзхes religiosas que as marginalizavam. A posiзгo geogrбfica estratйgica em relaзгo aos demais paнses da Бsia Central e do Oriente Mйdio produz acirrada disputa entre os Estados Unidos e Uniгo Soviйtica pelo controle do Afeganistгo. Diante da ocupaзгo pelo Exйrcito Vermelho, a CIA norte-americana estimula a criaзгo de grupos guerrilheiros que contam com o apoio dos proprietбrios de terras atingidos pela reforma agrбria, dos serviзos secretos do Paquistгo, da OTAN, de Israel e da Arбbia Saudita. Em marзo de 1985, o presidente dos EUA, Ronald Reagan, autoriza oficialmente o aumento da ajuda que, desde 1979, a CIA destinava aos guerrilheiros afegгos. Atravйs do Paquistгo, os Estados Unidos fazem chegar a eles armas e dinheiro num montante de um bilhгo de dуlares anuais. A idйia com a qual a CIA procura arregimentar adeptos em todos os paнses бrabes й a de que as sagradas leis islвmicas estariam sendo violadas pelas tropas soviйticas que professam o "ateнsmo", razгo pela qual os seguidores de Maomй deveriam se unir para reivindicar a independкncia do Afeganistгo e derrubar o regime esquerdista sustentado por Moscou. Movidos pelo nacionalismo e pelo fervor religioso, mais de 100 mil muзulmanos sгo envolvidos nesta "guerra santa" contra o exйrcito soviйtico, favorecendo os interesses dos EUA e dos latifundiбrios. Й neste contexto que um dos filhos da elite da Arбbia Saudita, Osama Bin Laden, torna-se estreito colaborador da CIA e passa a integrar as fileiras do Partido Islвmico de Gulbudin Hekmatiar. Em dez anos de ataques, os guerrilheiros armados pelos Estados Unidos destroem quase duas mil escolas, 31 hospitais, dezenas de empresas, vбrias centrais elйtricas, 41 mil quilфmetros de vias de comunicaзгo, 906 cooperativas de agricultores, explodem bombas em cinemas e praзas cheias de gente. Os que Reagan chama de "lutadores da liberdade", Bin Laden entre eles, se dedicam a matar sem piedade mulheres, crianзas, anciгos, lнderes religiosos partidбrios do governo e professores. Apesar da crueldade com que costumam agir, os guerrilheiros nunca sгo denunciados como "terroristas" pelos EUA e pelos paнses europeus. Sгo considerados "rebeldes", mesmo apуs utilizarem mнsseis ingleses e estadunidenses para derrubar dois aviхes civis das linhas aйreas do Afeganistгo. Em setembro de 1987, Babrak Karmal se demite do cargo e o general Najibullah assume o lugar. Pressionado pela polнtica de Gorbatchev, o novo presidente dб inнcio a um processo de pacificaзгo, recusado pelos guerrilheiros. Entre agosto de 1988 e fevereiro de 1989, o exйrcito soviйtico sai do Afeganistгo. A situaзгo do paнs se torna ainda mais tensa, nгo sу pelos enfrentamentos entre os guerrilheiros e as forзas de Najibullah, como tambйm pela discуrdia entre os 15 grupos armados que lutam para derrubar o governo afegгo, 8 dos quais sгo muзulmanos xiitas e 7 sгo sunitas. Em maio de 1992, o exйrcito de general Najibullah й derrotado, os guerrilheiros ocupam a capital do paнs e, em junho do mesmo ano, nomeiam Burhanudin Rabani presidente interino. Sua tentativa de fazer conviver a ala moderada com o setor fundamentalista do Partido Islвmico de Hekmatiar nгo vinga e as duas facзхes se enfrentam numa sangrenta guerra civil. Em 1996, os integralistas islвmicos (Talibгs) tomam o poder. O seu exйrcito continua contando com a estrutura guerrilheira dos anos anteriores. Nos campos de treinamento do Afeganistгo e do Paquistгo sгo preparadas, agora, as forзas que vгo se opor aos grupos muзulmanos moderados (que formam a "Alianзa do Norte") e as que ajudarгo a sustentar a guerra separatista na Chechenia, apoiada pela CIA. A presenзa dos EUA em mais este conflito nгo й explicada por motivos nobres. Chechenos mercenбrios e norte-americanos estгo interessados em afastar a Rъssia das abundantes jazidas de petrуleo do Mar Cбspio. A independкncia da Chechenia tiraria das mгos de Moscou o controle do principal oleoduto que sai da regiгo e abriria caminho para a exploraзгo dos poзos por parte das empresas inglesas e norte-americanas. Neste contexto, o Afeganistгo seria passagem obrigatуria de um oleoduto e um gasoduto que transportariam os combustнveis a serem embarcados rumo aos Estados Unidos e ao Extremo Oriente. Mas hб um imprevisto. O Talibг se opхe a este brilhante plano da CIA; os aliados de ontem se tornam inimigos dos interesses estadunidenses que hoje aguardam ansiosos a sua concretizaзгo. Vamos entender porque isso acontece. Contrariando as aparкncias, em nenhum momento Osama Bin Laden й defensor dos fracos e oprimidos contra os interesses das empresas multinacionais. E tambйm nunca traiu a elite бrabe interessada em ampliar seu domнnio no Oriente Mйdio e na Бsia Central. Ciente dos limites das reservas de combustнveis fуsseis, esta elite busca o pleno controle das fontes de energia e a progressiva reduзгo da influкncia americana na regiгo. Mas, para isso, o primeiro passo й desestabilizar as atuais monarquias da Arбbia Saudita e dos paнses prуximos que, hoje, tкm posiзгo subserviente em relaзгo aos Estados Unidos. A motivaзгo religiosa do seu grupo й um elemento importante para fazer com que as massas muзulmanas empobrecidas se levantem contra seus governantes e abra caminho rumo a um estado islвmico fundamentalista e capitalista. O apoio popular, o controle das jazidas e a aзгo terrorista dos membros de sua organizaзгo (Al-Qaida) seriam elementos chaves para comeзar a reverter a situaзгo de dependкncia em relaзгo aos interesses norte-americanos e ingleses. Tenha ou nгo Osama Bin Laden planejado os atentados, a guerra declarada pelos EUA parece ser uma mгo na roda tanto para os fundamentalistas afegгos como para os interesses anglo-americanos. De um lado, os ataques ao Afeganistгo obrigam os paнses бrabes e muзulmanos a escolher entre Bin Laden (e a suposta defesa da religiгo islвmica) e George W. Bush. Ao optarem pelo apoio ou pela neutralidade em relaзгo aos EUA estes regimes tendem a acirrar as aзхes dos grupos que se opхem a seus governos. Ao escolherem Bin Laden, nгo sу perdem um importante aliado militar como este se transforma, automaticamente, em inimigo. As manifestaзхes registradas nas ruas do Paquistгo e da Indonйsia sгo apenas uma pequena amostra do que pode acontecer em nнvel mais amplo. * * * No que diz respeito aos Estados Unidos, a guerra й um meio necessбrio para reafirmar o seu poder no mundo e estabelecer em bases mais favorбveis e duradouras o seu controle sobre as reservas de petrуleo e gбs natural. Nгo й por acaso que EUA e Inglaterra se apressam em manter contatos com a famнlia e o ex-rei do Afeganistгo, Mohamed Zahir Shah, deposto em 1973, para que possam assumir o governo provisуrio da naзгo apуs a vitуria das tropas aliadas. Ciente de sua fragilidade polнtica e da realidade do paнs, devastado por anos de conflito, o novo governo nгo passaria de simples marionete cujos movimentos, em ъltima anбlise, seriam ditados pelos interesses do capital inglкs e norte-americano. Й claro que isso demandaria aзхes adicionais para neutralizar a atuaзгo dos guerrilheiros da Alianзa do Norte que hoje recebem armas e dinheiro da Rъssia (que tambйm quer garantir o controle sobre a regiгo do Mar Cбspio), mas esta jб й outra questгo a ser delineada pelo desenrolar do conflito.
Prof. Nelson Candelaria Rio de Janeiro Brasil
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