Brasil, Colombia, FARC, AUN...

Os militares treinam soldados prevendo uma guerra considerada inimaginбvel hб poucos anos. Desta vez nгo se trata de um projeto antiguerrilha. A tropa й preparada para uma eventual guerra de guerrilhas contra um invasor potencial. O inimigo seria o aliado tradicional: os Estados Unidos

Muita gente na Europa teme que o agravamento da crise brasileira possa estimular os militares a intervirem novamente

As Forзas Armadas acompanham com preocupaзгo crescente a tensгo social gerada pelas conseqькncias de uma polнtica que estб empurrando a sociedade brasileira para o caos. O paнs parece desagregar-se.

Entretanto, contrariamente ao que pareceu em йpocas anteriores, a hipуtese de um golpe militar й remota

Nos ъltimos anos, as Forзas Armadas mantiveram-se afastadas da polнtica. O seu silкncio, que tem suscitado interpretaзхes contraditуrias, nгo traduz, porйm, indiferenзa. Sгo hoje transparentes os indнcios de que os efeitos da polнtica neoliberal do governo de Fernando Henrique sгo acompanhados com inquietaзгo pelos militares. A estratйgia das privatizaзхes e os acordos com o FMI inserem-se numa polнtica de subordinaзгo crescente aos EUA, considerada perigosa pela maioria do corpo de Oficiais

A recente visita do general McCaffrey e as declaraзхes que entгo fez sobre a possibilidade de uma intervenзгo militar norte-americana na Colфmbia adensaram as preocupaзхes suscitadas pelas ambiзхes dos EUA relativamente а Amazфnia

Intervencionismo arrogante

Em Washington multiplicam-se declaraзхes oficiais sobre a Amazфnia que, pelo tom e conteъdo, irritam profundamente os militares brasileiros

Cito uma, como exemplo. O chefe do Serviзo de Informaзгo das Forзas Armadas dos EUA, Patrick Hughes, durante um debate, afirmou em abril de 1998: "se o Brasil decidir fazer um uso da Amazфnia que ponha em perigo o ambiente nos EUA, temos de estar preparados para interromper imediatamente esse processo."

Na Europa, a linguagem nгo й muito diferente. Uma ameaзa de John Major quando era Primeiro-Ministro do Reino Unido provocou, concretamente, indignaзгo: "as campanhas ecolуgicas internacionais sobre a regiгo amazфnica – disse na йpoca – estгo deixando a fase da propaganda para dar inнcio a uma etapa operativa que, obviamente, pode levar a intervenзхes militares diretas na regiгo."

Foi nesse contexto que as Forзas Armadas brasileiras decidiram prestar atenзгo prioritбria а sua presenзa na Amazфnia. Nгo se limitaram a reforзar as guarniзхes na бrea. A tese norte-americana sobre "soberania limitada" na Amazфnia teve como resposta uma sйrie de iniciativas brasileiras. O SIVAM – Sistema de Vigilвncia da Amazфnia – й atualmente o mais ambicioso projeto de controle do ambiente em curso em todo o mundo. Os radares do SIVAM foram concebidos para controlar nгo apenas os incкndios mas as centenas de vфos ilнcitos que diariamente ocorrem na regiгo. Na prбtica, porйm, nгo contribuнram ainda para um combate mais eficaz ao narcotrбfico. A lei aprovada no Congresso, que visa permitir а forзa Aйrea Brasileira abater esses aviхes, nгo foi regulamentada. Segundo apurei, dificilmente o serб porque os EUA se opхem, a menos que as operaзхes aйreas sejam, como no Peru, controladas pela Drug Enforcement Agency (DEA), cujas ligaзхes com a CIA sгo bem conhecidas

Uma guerrilha inйdita

Uma iniciativa mal recebida em Washington, nomeadamente no Pentбgono, foi a criaзгo em Manaus do Centro de Treinamento de Guerra na Selva, hoje considerado um dos melhores do mundo

O jornalista Mбrcio Moreira Alves – que residiu alguns anos em Portugal como exilado polнtico – publicou do diбrio "O Globo", do Rio de Janeiro, um interessante artigo intitulado "Riscos na Amazфnia" em que transmite as impressхes de uma visita a esse Centro, envolvido numa atmosfera de mistйrio

Concretizada a convite do Comando Militar da Amazфnia, essa visita permitiu-lhe revelar ao povo brasileiro fatos que pouquнssima gente conhecia

Segundo Mбrcio M. Alves, os soldados e os oficiais "aprendem, com duros exercнcios, a sobreviver na floresta, bebendo бgua das plantas e comendo o que podem apanhar, cobras inclusive. Nas aulas teуricas lкem os trabalhos de Ho Chi Minh, do general Giap, de Chк Guevara. As muitas aзхes sociais que desenvolvem, tratando da populaзгo civil nos seus hospitais, difundindo o ensino do portuguкs nas escolas, sгo parte da preparaзгo militar. Й o povo quem sustenta uma guerrilha, como os americanos descobriram no Vietnг, quando uma divisгo vietcong completa, com artilharia e tudo o mais, brotou da terra em Saigon, na ofensiva do Tet, que acabou d desmoralizar as mentiras do Pentбgono sobre a "boa conduзгo da guerra".

Se dъvidas houvesse sobre o espнrito que hoje prevalece no Centro de Manaus, o general Lessa, comandante militar da Regiгo Amazфnica, dissipou-as ao convidar parlamentares para uma visita. O ex-guerrilheiro Josй Genoнno, hoje deputado do Partido dos Trabalhadores, falou entгo, em nome do Congresso, a um batalhгo de "guerrilheiros" formado no Centro.

O artigo de Mбrcio obteve, naturalmente, grande repercussгo. Nгo faltou quem esperasse um desmentido de fonte militar а conclusгo do jornalista de que as forзas Armadas se preparam para uma guerra de guerrilhas na selva, contra um eventual ocupante da Amazфnia. Mas o Exйrcito nгo comentou o artigo

Nas vйsperas de deixar o Brasil, rumo a Cuba, tive a oportunidade de manter prolongada conversa com um major do Exйrcito que serviu em Manaus. Veio а baila o artigo de Mбrcio Alves.

Apenas me pediu que nгo lhe citasse o nome por motivos уbvios. Mas confirmou o fundamental.

"Nуs" – sгo palavras suas – "na hipуtese de uma intervenзгo militar na Colфmbia que tenha como complemento a instalaзгo de tropas norte-americanas em territуrio da Amazфnia, o que seria uma forma de intervenзгo indireta, temos de estar preparados para o pior. Sou realista. Se as nossas relaзхes com os EUA assumissem uma feiзгo conflituosa nгo disporнamos de forзa suficiente para derrotar uma tropa de ocupaзгo norte-americana. Mas й tambйm uma atitude realista reconhecer que, hoje, o inimigo potencial do Brasil sгo os EUA. Numa guerra travada na selva serнamos melhores do que eles."

O tema й fascinante

fonte: –Avante! Уrgгo do Partido Comunista Portuguкs

Nє 1367 – Lisboa (Portugal),10 de fevereiro de 2000

Avante!

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